Sobre Black Friday

Eu estava navengando à toa na internet no aeroporto hoje, e uma notícia da BBC me chamou a atenção. O título era: “Polícia divulga aviso de Black Friday para varejistas” (tradução livríssima…). Que que a polícia tem a ver com isso? Aparentemente, durante a Black Friday do ano passado, em uma rede de supermercados da Inglaterra, houve uma confusão tão grande entre clientes que a polícia teve de ser acionada. Atenção, isso foi causado por pessoas brigando pra comprar TVs, computadores ou sistemas de som.

Se você vive em um mundo feliz, e não faz a mais remota idéia do que eu estou falando, vou te dar duas opções: (1) pára de ler aqui e continue sendo feliz ou (2) continue lendo e se torne um pouco menos feliz e um pouco mais desapontado na raça humana.

Você decidiu continuar! Admiro sua coragem 🙂

Black Friday é uma sexta-feira no final de novembro (presumidamente depois do Thanksgiving — sim, é uma coisa americana, grande surpresa!) quando as lojas decidem vender seus produtos com descontos ridiculamente altos (50, 60 ou até 90%). Até aí tudo bem… mais ou menos. O negócio é que quando as pessoas escutam falar de descontos loucos, elas ficam loucas. Black Fridays são conhecidas por filas quilométricas na porta de lojas, com pessoas chegando às 3 da manhã, pelo caos dentro das lojas, com pessoas enchendo seus carrinhos de qualquer coisas só porque é muito barato, e de vez enquando discussões agitadas entre clientes pra ver quem vai ficar com a última máquina de lavar com 70% de desconto. As coisas podem ficar bem feias, como alguns vídeos mostram.

A notícia da BBC explica brevemente a situação, e que a polícia pede que as lojas estejam melhores preparadas esse ano, e depois o texto continua dizendo que a rede de supermercados decidiu não participar da Black Friday esse ano e quais seriam as consequências para as vendas no Natal. Como se esse fosse o fato em que devemos focar… Pra mim, isso é como dizer, “sim, tem uma guerra lá e um monte de gente está morrendo, mas vamos ver qual é o impacto na venda de mísseis”. Bom, a notícia estava na seção de negócios da BBC… O que mais eu poderia esperar? Mesmo assim, não consigo deixar de ficar desapontada…

Primeiramente, eu estou desapontada com as pessoas (grande novidade) que se tornaram consumistas a tal ponto de cometer atos quase selvagens para ter produtos dos quais elas realmente não precisam. Só porque estão na promoção. Com qual frequência uma pessoa precisa trocar seu aparelho de TV, celular, mp3 player, headphones, laptops, tablets, projetores, malas, geladeiras, tostadeiras, e etc e tal? A nova regra parece ser: toda vez que um novo modelo é lançado (ou talvez a metade dessa frequência que, na minha opinião, ainda é demais). E as empresas têm coisas novas pra você todo ano. Eles precisam das vendas, a economia precisa estar ativa, o dinheiro circulando e todo mundo fica feliz, certo? Errado! Eu, por exemplo, não tô nem um pouco feliz com essa situação, e tenho a vaga impressão de que não sou a única.
Você já parou pra pensar pra onde vão todas essas coisas sub-utilizadas? Talvez você seja sortudo e more numa casa grande o suficiente, com um quarto pra servir de depósito pra todas essas coisas por agora. Mas no final das contas, o espaço acaba, ou você tem que se mudar. Então você pode anunciar todos os seus produtos velhos pra vender, mas várias coisas já vão estar tão desvalorizadas que nem vale a pena o trabalho (você sabe o que fazer com um iPhone 2 hoje? Os aplicativos mais recentes nem funcionam nele mais). Você vai acabar jogando essas coisas no lixo, poluindo o meio ambiente com um monte de silicone, lítio, plástico e outras porcarias que vão levar centenas de milhares de anos pra decompôr. Bom… Talvez você seja uma pessoa pseudo-ecológica e vai levar esses produtos pro centro de reciclagem de eletrônicos mais próximo. Você sabe que o silicone, lítio, plástico e as outras porcarias ainda estão lá né? As pessoas trabalhando no centro de reciclagem vão separar propriamente os materias, reciclar o que der, mas esse processo em si gasta energia e outros recursos. Se você fosse ecológico de verdade, não teria acumulado tantos produtos inúteis em primeiro lugar.

Minha segunda frustração é com a notícia em si, um artigo superficial que faz uma análise econômica besta sobre lojas aderindo ou não à Black Friday e perde completamente a maior e mais importante perspectiva. Eu não me importo que a BBC tenha uma seção “negócios”. Eu me importo que uma agência de notícias de tal magnitude, fromadora de opiniões de milhões de pessoas, publica um artigo sobre como as vendas de Natal são afetadas pela Black Friday e *não* publicam um artigo discutindo as consequências mais sérias dessa cultura. Consequências estas que serão sentidas apenas após alguns anos, no clima, natureza e na sociedade em si (se você pensar bem, 10 anos atrás nem é tanto tempo e tanta coisa já mudou), e não no balanço do mês que vem. Por que essas questões mais fundamentais não são merecedoras de uma notícia na página principal? Os jornais têm algum motivo ulterior? Ou eles simplesmente são comandados por pessoas que não se importam? Ou é muito perturbador? Eu tenho certeza que existem pessoas competentes pensando, pesquisando e escrevendo sobre coisas imporantes. Cade elas? Por que elas não estão escrevendo artigos pra BBC? Vocês realmente deveriam…